angra em família

Me chamo Rossana e posso dizer que fui criada a bordo de um veleiro. Mas como se deu essa criação?
Tudo começou lá em Rio Grande, navegando nas águas do canal da barra e Lagoa dos Patos. Adorava as visitas às praias de dunas branquinhas e escaldantes. Adorava ser rebocada pelo veleiro em asa de pomba e o vento sempre esvoaçando cabelos e beijando as bochechas. Adorava até as barragens com seus muros e o sobe e desce de água com a gente dentro de uma caixa de concreto.

Não tinha muita inclusão no velejo, pois era criança em meio a adultos e também porque as mulheres eram delegadas a cozinha, limpeza de convés e organização do barco. Mas isso fez com que eu me tornasse bem observadora de tudo que rolava entre a proa e a popa. Eu amava lavar o convés e amo até hoje. Acho uma terapia pegar o balde com uma escota e uma escovinha e ficar no ritual içando o balde com água do mar e jogando essa água no convés esfregando e tirando manchinhas e musguinhos.
Faço isso com muito prazer até hoje!

Quando pude velejar a sós com meu marido, é que fui realmente envolvida no velejo. Com decisões climáticas e de rotas, quais velas içar, se está na hora de colocar o motor, ancoragem e atracagem. O portal abriu pra mim e vi que sabia muito mais do que eu imaginava. Desde criança sonhava em não ficar somente no leme quando meu pai precisava fazer algo rapidinho. Acho que por isso que hoje sou a “doidinha” do leme! Pego e não largo por nada!
De 1981 a 1988, fizemos expedições anuais para Angra. Meu pai ama uma estrada e um reboque. Então, ele decidiu pegar a família inteira de 6 pessoas mais alguns amigos adolescentes de meus irmãos e todos os anos nesse período, subimos a costa por terra em comboio.

Algumas vezes, tivemos um Galaxi ou caminhonete rebocando um O’day 23; um Voyage rebocando uma lancha e um outro carro que não lembro rebocando um trailer grande. A aventura era intensa, desde ficar sem banho e dormindo à beira de estrada até capotar o barco ladeira abaixo no meio do caminho. Sem falar que sempre era época de chuvas e deslizamentos o que nos fez muitas vezes ter que desviar ou subir e descer a pé pela estrada. Tinha além de pneu furado e freios com problemas, até fogo também rolou. Um susto só.
O trailer e a lancha foram somente uma vez. Nas demais vezes, dormíamos na beira da estrada dentro do veleiro. Teve uma vez que o barco foi de caminhão. Enfim, foram 7 anos indo passar o verão de Angra embarcados no O’day 23 chamado de Volare.
Não tinha luxo nenhum e muitas vezes fomos apelidados de piratas de Angra, pois eram 12 pessoas embarcadas o dia inteiro num O’day 23 sem glamour, mas com muita diversão. Roupa era limitada, banho de água doce quase inexistente. Meu pai dava uma garrafa de água mineral de 1,5 litros com água doce e falava te vira pro teu banho ser o mais proveitoso possível. E não era todo o dia que tinha. A comida também era simples e tinha que render para os 12 comerem. Muito lanchinho e macarrão.
Volare era guerreiro e fizemos muitas travessias entre Angra e Paraty. Sempre gostosas, mas ao mesmo tempo desafiadoras. Tinha gente que mareava, tinha gente que se assustava, tinha os que só dormiam…mas o melhor de tudo era essa relação vento, mar e avistar a igreja logo quando adentrávamos a baía de Paraty. Era quando mais ficávamos em terra firme. Eram 2 ou 3 dias que aproveitávamos para comer em restaurante arroz, feijão e carne. Meu pai ficava em pousada com minha mãe e aproveitávamos para lavar os cabelos com shampoo e condicionador.

Depois que conheci as garotas do Vela por Mulheres, retornei algumas vezes a Paraty e sempre bate a nostalgia desses tempos de infância a bordo do veleiro. Me sinto mais em casa do que na minha terra natal. Porém num formato mais empoderado e cheio de autonomia com a vela.